As Flamengas[1] (da Ordem das Clarissas[2])A chegada das irmãs (ditas) flamengas a Portugal coincide exactamente com o período de governo pessoal
[3] de Filipe II
[4] (o primeiro a reinar com este nome em Portugal
[5]), o que significa, entre 1581 e 1583. Vinham estas freiras fugidas da guerra que então se travava nos Países Baixos
[6] e seriam originárias de um convento da sua Ordem em Alkmaar — terra que sofreu particularmente os rigores dos confrontos, obrigando-as a fugir. A Ordem de Santa Clara
[7] foi fundada no Convento de São Damião, em 1212, sob a orientação de Santa Clara e de S. Francisco — teve sempre o apoio dos Frades Menores —, depressa se estendeu por toda a Europa e constitui hoje, com cerca de 1500 mosteiros em todos os continentes, a ordem de clausura mais numerosa em toda a Igreja.
As irmãs clarissas chegaram a Portugal pouco depois da morte de Santa Clara, em 1254. O primeiro mosteiro
[8] de Santa Maria e de Santa Clara surgiu em Lamego em 1258, cinco anos após a morte de Santa Clara. «Começou o mosteiro por algumas mulheres devotas e exemplares, as quais aspirando a mais perfeito estado se uniram entre si e propuseram viver na Ordem de Santa Clara» (Fr. Manuel da Esperança). No ano seguinte, a comunidade foi transferida para Santarém, residência habitual da corte, onde o rei D. Afonso III construiu um mosteiro de raiz. É que, além de a casa de Lamego não ter condições para vida conventual, havia dificuldades na assistência espiritual. Ali, não havia franciscanos. Com o tempo, o mosteiro de Santarém veio a tornar-se um dos mais sumptuosos e magnificentes de Portugal com capacidade para oitenta religiosas. Nele professaram senhoras nobres e de sangue real a começar por D.ª Leonor Afonso, filha do rei fundador. Seguia a Regra do cardeal Hugolino de 1219.
A primeira comunidade instalou-se, assim, em Lamego, passando em 1259 para Santarém. Quando foi aprovado o decreto a extinguir a vida religiosa em Portugal, em 1834, havia cerca de cem mosteiros de irmãs clarissas no território português continental. Com a morte da última religiosa todos os mosteiros passavam para a fazenda pública. Assim nos fins do século XIX foram encerrando todos os mosteiros.
Filipe II, filho do Imperador Carlos V e de Isabel de Portugal, governou um vasto território integrado por Aragão, Castela, Catalunha, Ilhas Canárias, Maiorca, Navarra, Galiza e Valência, Rossilhão, Franco-Condado, Países Baixos, Sardenha, Córsega, Sicília, Milão, Nápoles, além de territórios ultramarinos em África (Orão, Túnis, e outros), na América e na Ásia (Filipinas) — e encarnava o símbolo maior do catolicismo em luta contra o protestantismo que então emergia. O protestantismo era então uma realidade muito recente e cuja denominação define o conjunto de igrejas cristãs e doutrinas que se identificam com as teologias que visam a tentativa de reforma da Igreja Católica Apostólica Romana, desenvolvidas no século XVI na Europa Ocidental. Essas teologias partem de um importante grupo de teólogos e clérigos, como o monge agostinho Martinho Lutero, de quem as igrejas luteranas tomam o nome. A maior parte dos cristãos europeus, em especial os da Europa meridional, não concordavam com as tentativas de reforma. O resultado vai ser a separação entre as emergentes igrejas reformadas e uma reformulação na Igreja Católica — a Contra--Reforma —, que reafirmou, no Concílio de Trento, aquelas doutrinas recusadas pelo protestantismo.
A História tornara Filpe um homem poderoso: é nomeado regente da Espanha, numa conferência solene realizada em Bruxelas, em 22 de Outubro de 1555, onde Carlos V, seu pai, lhe cede os Países Baixos, as coroas de Castela, Aragão e Sicília (esta mais tarde, em 16 de Janeiro de 1556), e o condado da Borgonha (em 10 de Junho do mesmo ano). Filipe era neto dos reis católicos Isabel e Fernando, e dedicou-se a interromper o progresso do protestantismo, nascido da Reforma e em sequência dos protestos de 1529, quando Lutero e os seus seguidores — um vasto conjunto de igrejas nascidas dessa cisão — se opuseram às posições assumidas pelos católicos alemães na II Dieta de Spira (realizada na cidade de Speyer, Alemanha). A expressão «protestantes» teve origem na Declaração de Fé que alguns membros da Dieta de Spira, a segunda (1529), fizeram e que começava pela frase: «Nós protestamos e declaramos abertamente diante de Deus e de todos os homens […].»
Entretanto, por morte do Cardeal-Rei D. Henrique de Portugal, a coroa portuguesa viu-se na encruzilhada de sete pretendentes, sendo que cinco baseavam as suas pretensões em fundamentos aceitáveis: Filipe II, filho de Margarida de Portugal, primogénita do rei Manuel I, com o seu marido Carlos V; o Duque de Sabóia, filho da infanta D. Beatriz, filha do mesmo rei D. Manuel I e de seu esposo o duque de Sabóia; Dom António, prior do Crato, filho do infante D. Luís, sendo Luís filho do mesmo rei D. Manuel (que irá ter o apoio do rei de França, Henrique IV, o rei que se converteu duas vezes ao catolicismo); o Duque de Parma, neto por parte da mãe do infante D. Duarte, filho do mesmo rei D. Manuel; D. Catarina, Duquesa de Bragança, filha legítima do mesmo infante D. Duarte.
Os que menos direito mostravam nesta pretensão eram Catarina de Médicis, rainha de França, descendente de D. Afonso III e de sua primeira esposa, a condessa Matilde de Bolonha; e o Papa — herdeiro natural dos cardeais, que entendia, portanto, dever usufruir do reino que um cardeal governava.
Filipe II acabou por ser rei de Portugal, pela armas e pela política — e ascendeu à coroa em 1580. De 1580 a 1640, foi Portugal governado pelos reis de Espanha, dentro do princípio da Monarquia dualista, que reconhecia a existência de duas coroas nas mãos do mesmo soberano
[9].
As freiras flamengas, em breve conhecidas também como as irmãs do Convento de Nossa Senhora da Quietação, vieram da Flandres (Países Baixos), na época sob domínio Espanhol, pouco depois de Filipe II ocupar o trono de Portugal como Filipe I. Aliás, a escolha do local onde as freiras viveram — perto do Vale de Alcântara, junto à praia de Alcântara e do Palácio Real de Filipe — parece ter sido decisão do próprio monarca. A designação popular do nome Flamengas — em forma primitiva Framengas — refere--se ao idioma comum a todas elas, a língua que usavam na Flandres de onde eram originárias.
De notar que, em 1447, por morte de Carlos O Temerário, os Países Baixos, e com eles a Flandres, passaram para os Habsburgo, dinastia germânica europeia, que parece originária da Alsácia — sendo o seu membro mais antigo Gontrão O Rico —, uma dinastia que reinou na Áustria de 1279 a 1918. Estes Habsburgos levantaram-se, no século XVI, contra a soberania espanhola. Alexandre Farnésio conquistou para a coroa espanhola as regiões católicas e tradicionalistas do Sul da Flandres, opondo-se aos protestantes agrupados na União de Utreque (1579). Alexandre Farnésio, que se notabilizou no governo dos Países Baixos, foi casado com Maria de Portugal, filha do rei português D. Manuel I. Nestes acontecimentos estaria a origem das Províncias Unidas, que viriam a tornar-se independentes — e das quais se separaria a Bélgica em 1839 (actualmente a Flandres de Oeste é uma província belga).
Guilherme I de Orange-Nassau (24 de Abril 1533-10 de Julho 1584), também conhecido como Guilherme O Taciturno foi o grande impulsionador do movimento de independência dos Países Baixos. Após um período como stadthouder (regente) das províncias da Holanda, Zelândia, Utreque e Borgonha, ao serviço da casa de Habsburgo, deu início à revolta que marcou o princípio da Guerra dos Oitenta Anos, sendo declarado como fora-da-lei por Filipe II de Espanha, em 1567. Guilherme não assistiu ao sucesso da sua causa, que chegou apenas em 1648 com o fim do poderio espanhol na região, e morreu assassinado por Balthazar Gerardts em Delft, em 1584.
(«Tudo mudou quando Filipe II assumiu a coroa de Potugal. A Inglaterra considerou, nessa altura, que era urgente opor-se a um soberano que reinava sobre um império imenso e que parecia disposto a aumentá-lo ainda mais, a avaliar pelas suas ingerências crescentes nos assuntos internos da França. A tomada de Antuérpia por Alessandro Farnese (1585) foi considerada pela Inglaterra como um causus belli
[10].»A Guerra dos 80 Anos ou Revolta Holandesa de 1568 a 1648, foi a guerra de secessão na qual o território englobando aquilo que é hoje os Países Baixos se tornou um país independente frente à Espanha.)
Estas irmãs Flamengas são, pois, clarissas — ordem que já merecia a devoção de Isabel de Aragão no século XIII; o IV Concílio de Latrão, em 1215, determinou que, de futuro, quem quisesse seguir a vida religiosa devia escolher uma das regras já existentes, assim, Isabel fez-se terciária franciscana, após ter deposto a coroa real no santuário de São Tiago de Compostela e haver doado os seus bens.
Isto significa que as Flamengas eram Franciscanas, ou, explicando melhor: a Ordem dos Frades Menores (Ordo Fratrum Minorum, O. F. M.), também conhecida por Ordem dos Franciscanos ou Ordem Franciscana, é a ordem religiosa fundada por Francisco de Assis — e a sua regra esteve na base da Segunda Ordem Franciscana — a Ordem das Clarissas, fundada por Clara de Assis, pelo que sendo clarissas tinham a Ordem Franciscana como sua origem.
Estas Flamengas seriam pouco mais de três dezenas. Não há relatos precisos e inequívocos deste primitivo grupo e do que sabemos ressalta um relato «por ouvir dizer», firmado num livro de 1627, por vontade da Condessa de Calheta, benfeitora do Convento de Nossa Senhora da Quietação, ou Convento das Flamengas em Alcântara, a partir de 1583. Este relato é dedicado à Infanta Margarida da Cruz e é de importância muitas vezes relevada pelos historiadores holandeses e belgas. Nele conta-se a história destas freiras pela voz de Soror Catarina do Espírito Santo, que não pertencia ao grupo inicial das freiras Flamengas, mas que a elas se juntou mais tarde. Seria Catarina do Espírito Santo filha de D. Luís Carrilho, um castelhano governador de Hoogstraten, cidade do antigo ducado germânico de Brabante, em cujo convento franciscano vivia.
Da história inicial das Flamengas retém-se o cenário da guerra, a fuga atribulada depois do cerco ao seu convento, a saída de Alkmaar para o Haarlem, a protecção dos símbolos santos transportados na fuga — as partículas do Santíssimo Sacramento, o «Corpo de Deus» «escondido numa carroça» — a ajuda de alguns católicos, o acolhimento pelas freiras carmelitas descalças de Haarlem, a revolta e as manifestações da população que pretendia tomar de assalto o convento onde se refugiaram, já que o povo temia represálias. De Haarlem terão fugido para Amesterdão, para um período de vida mais calmo que acaba ao fim de alguns anos. O grupo de freiras divide-se entre Antuérpia, Malines e Hoogstraten, terras sempre ameaçadas pela guerra e que vão ser cenário de violentas batalhas, cercos e de todo o tipo de excessos.
A 23 de Janeiro de 1580, foi dado um passo importante para a independência dos Países Baixos com a assinatura da União de Utreque, um tratado rectificado pelas províncias do Norte e pela maioria das cidades de Brabant e Flandres, que consolidou a causa comum.
De início, Alexandre Farnese, Duque de Parma, o novo regente espanhol, conseguiu conquistar diversas cidades nas províncias do Sul, mas foi então que acontecimentos na Península Ibérica conspiraram a favor dos rebeldes. O Cardeal-Rei Henrique I de Portugal
[11] morreu sem descendentes directos, em Maio de 1580, abrindo o caminho para a união pessoal dos reinos ibéricos na pessoa de Filipe II de Espanha. Para argumentar melhor a sua posição, Filipe II chamou o Duque de Parma e o seu exército para a Península Ibérica, o que culminou com a sua coroação como Filipe I de Portugal. O preço a pagar por este novo domínio foi o enfraquecimento da sua posição nos Países Baixos. Guilherme aproveitou a ausência temporária de um exército espanhol na região para consolidar a sua causa e procurar apoio no estrangeiro. O mesmo Guilherme procurou auxílio em França e iniciou negociações com Francisco, Duque de Anjou, irmão do rei Henrique III, que pretendia ver como soberano dos Países Baixos.
Segundo conta Catarina do Espírito Santo, no dia 3 de Julho de 1581, deu-se a separação [das freiras] tendo vários grupos seguido para a Europa Central que permanecia católica. Só um pequeno grupo das freiras, as do Convento de Alkmaar, decidiram seguir para a Península Ibérica, reclamando o seu estatuto de vassalas de Filipe II. Passaram por Santander e Bilbao antes de chegar a Lisboa (5 de Fevereiro de 1582), com paragem anterior na Arrábida. Eram acompanhadas desde Alkmaar por um inglês, seu padre confessor.
A 1 de Março de 1582, o padre confessor e as freiras que o acompanhavam chegaram ao mosteiro de S. Francisco de Xabregas, cabeça da província franciscana dos Algarves, o Provincial mandou que as freiras seguissem para o convento feminino da Madre Deus e proporcionou um encontro do padre confessor com Filipe II. Foi preparado então o sítio de Nossa Senhora da Glória para recebê-las; foram incorporadas na Província dos Algarves da Ordem de S. Francisco. Elegeram a sua primeira abadessa e mantiveram-se sobre a regra original de S. Francisco e Santa Clara. A 11 de Dezembro desse mesmo ano, as freiras flamengas foram chamadas à presença da família real. O Rei prometeu cuidar delas e tudo fazer para evitar que passassem as necessidades do passado, mantendo a sua política de favorecimento das ordens religiosas. Foram para o Convento da Anunciada de onde saíram numa procissão para o novo local com a participação dos músicos da Capela Real, acompanhadas por representantes da família Real e pelo Arquiduque Alberto, tendo sido benzidas pelo Bispo de Lisboa, D. Jorge de Ataíde [Espírito Santo, 1627, fl. 23 a 25.].
As Flamengas estiveram quatro anos no sítio de Nossa Senhora da Glória, mas abandonaram-no «por ser doentio». Decidiu-se a construção de um novo convento em Alcântara.
Alcântara era um local de grandes memórias para Filipe II, já que ali se travara, a 4 de Agosto de 1580, a batalha entre o general Duque de Alba e o Prior do Crato, com a vitória dos espanhóis.
O glorioso vale de Alcântara era frondoso e vistoso, com as ribeiras de Alcântara e do Alvito, a densa vegetação, a proximidade da praia e do rio. As terras que constituem actualmente Alcântara, eram atribuídas, desde o século XII, como recompensa, pelos reis aos nobres ou então a ordens religiosas ou militares. Ali ergueu casa um rico genovês — cuja lenda ainda hoje perdura no local: havia construído grande habitação pouco antes de perder a sua fortuna ao subsidiar D. Sebastião e a campanha militar de Alcácer Quibir. Antes, no século XV, as pedreiras em Alcântara, de onde se extraía pedra para cal e pedra de lioz, contribuíram muito para o desenvolvimento económico do local; também os pomares e vinhas junto à ribeira, e fornos de cal em Cata-que-farás dinamizaram a zona. Em 1520 foi construído um hospital na horta de D. Jerónimo de Eça (Horta Navia) para combater a peste que assolava a cidade. A peste não impediu que se fossem instalando quintas nobres ao longo do Tejo; Alcântara situava-se então junto aos limites da já formada Freguesia da Ajuda. A Ermida de Santo Amaro foi iniciada em 1549 e ficou a servir de sacristia, tendo levado muitos peregrinos ao local. Ali será erguido, além do Convento da Nossa Senhora da Quietação das Flamengas (1586), o Convento do Monte Calvário, em frente ao primeiro, fundado por D. Violante de Noronha — filha de D. Francisco de Noronha com Maria de Azevedo e mulher de Pedro da Costa, armeiro-mor, em 1617 — e que hoje é a Escola Superior de Polícia; e o Palácio Real de Alcântara, destruído pelo Terramoto de 1755. D. Filipe II nomeara D. Teodósio de Frias como arquitecto real deste Palácio, em 1603. O Palácio Real de Alcântara encontrava-se situado no lado direito da rua que sai do Arco para St.º Amaro, que em 1765 se denominava Rua de S. Joaquim, correspondendo à actual Rua 1.º de Maio, seguindo-se à então Rua Direita do Ferrador, actual Rua Direita de Alcântara. Tudo isto já sem falar da Tapada, que reparte a sua génese entre Filipe II e vindouros pós-Restauração.
Enquanto as novas instalações do Convento de Nossa Senhora da Quietação se preparavam, mudaram-se as freiras flamengas para o Convento das Carmelitas Descalças de Santo Alberto, a Carnide, tendo ocupado definitivamente o actual convento a 8 de Dezembro de 1586. A invocação escolhida foi a de Nossa Senhora da Quietação, orago evocativo da calma e da paz que procuravam para que nunca mais sofressem as inquietações do passado [BNL, Cod. 7784, fls. 3 a 7].
Uma das primeiras obras que se deteve na análise do imóvel foi o manuscrito de Luís Gonzaga Pereira (1840), autor ainda muito ligado ao Antigo Regime que atacou a Lei de Extinção das Ordens Religiosas, que assim se lhe refere: «a planta, alçado e corte desta igreja é feita ao rigor da Ordem, tendo por magestoso a ração, primeiro objecto em que deve pôr a mira o bom católico», concluindo: «finalmente, podemos afirmar não ser dos piores templos da Corte.» [Pereira, 1929, p. 335]
Ao falar da arquitectura, não podemos esquecer o papel da família Frias — o decano Nicolau, que foi o «patriarca de uma longa dinastia de arquitectos que chegaria à Restauração» e em especial Teodósio, seu filho, que teve direito a sepultura no Convento das Flamengas.
Segundo João Miguel Simões (cf. Bibliografia), a «disposição das sepulturas era a seguinte: a partir do arco triunfal a primeira era a de Simão Granaet, falecido a 12 de Abril de 1682, e de sua mulher e herdeiros. A segunda era a de Manuel da Silva Louzado, falecido a 17 de Fevereiro de 1683, de sua mulher, Isabel da Silva, e de seus herdeiros. A terceira era a de Teodósio de Frias, falecido a 11 de Novembro de 1634 e de sua mulher Lianor Pereira, que morreu a 18 de Dezembro de 1627. A quarta sepultura pertencia a Pedro Fernandes, pai de três religiosas “flamengas” e que morreu a 2 de Dezembro de 1627. A quinta sepultura era a mais antiga e estavam nela enterrados Jerónimo Anriques, falecido a 2 de Novembro de 1592 e sua esposa Grácia da Veiga que morreu a 29 de Junho de 1588. A sexta é de João Antunes e Domingas Roiz. Duarte Smith e Joana Galoa estavam na oitava. Por debaixo da pia baptismal ficava a de Álvaro de Castro e Bárbara de Tápia que possuíam uma sepultura brasonada, tendo esta benfeitora dourado o altar-mor em 1604.»
O Convento das Flamengas guarda hoje valiosos contributos do chamado «Barroco Nacional». A «Sala do Rosário», valiosa «obra de arte total» intacta, e a capela do velho flamengo João Van Vessem (ou Van-vassem ou Vanvassem), com pinturas de primeira água do pintor Bento Coelho da Silveira. Os painéis de azulejos da igreja constituem um valioso contributo do século XVIII. O claustro permanece intacto, mas já não existe a imagem de Nossa Senhora das Mercês que as freiras consideravam a responsável pela vitória dos portugueses nas Linhas de Elvas [Santa Maria, t. III, 1707, p. 400].
A igreja foi quase complemente remodelada no primeiro quartel do século XVII, assumindo a traça actual, fortemente inspirada num modelo vernáculo de grande simplicidade, não alheio ao contexto empobrecido do Portugal do século XVII.
D. Pedro II escolheu como sua residência o vizinho palácio de Alcântara e tornou--se Juiz perpétuo da Irmandade de Nossa Senhora da Quietação em 1694. Quando morreu deixou sepultado o seu coração na capela-mor da igreja das Flamengas estando ainda hoje o local assinalado por uma lápide.
Após a extinção das ordens religiosas, no século XIX, o convento e a capela passaram para a alçada da Real Irmandade de Nossa Senhora da Quietação, vocacionada para apoio às famílias de oficiais falecidos no Ultramar.
Como já se disse, quando saiu o decreto a extinguir a vida religiosa em Portugal, em 1834, havia cerca de 100 mosteiros de irmãs clarissas em Portugal. Com a morte da última religiosa todos os mosteiros passavam para a fazenda pública. Assim nos fins do século XIX foram encerrando todos os mosteiros.
A vida claustral das clarissas começou a organizar-se a partir de 1928, com algumas jovens que cresceram nos antigos mosteiros, conhecendo assim o carisma de Santa Clara.
FONTES/BIBLIOGRAFIA
FONTES
Arquivo Histórico do Ministério das Finanças
Caixa 1963, Convento das Flamengas
Maço 2029, Doc. N.º 5 Convento de Nossa Senhora da Quietação das Religiosas Flamengas de Alcântara, 1770.
Arquivo da Câmara Municipal de Lisboa
Obra n.º 15401
Arquivo Histórico da Irmandade de Nossa Senhora da Quietação
Compromisso da Real Irmandade de Nossa Senhora da Quietação sito no Convento das Religiosas Flamengas em Alcântara, Anno 1793.
BIBLIOGRAFIA
Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal, no prelo. A primitiva redacção deste texto As Flamengas (da Ordem das Clarissas), serviu em versão condensada uma das entradas do mesmo.
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[1] Este artigo é uma refundição da entrada que assinei no Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal.
As Flamengas, originárias da Flandres, deram nome à Igreja e Convento das Flamengas (também conhecido como Convento de Nossa Senhora da Quietação) que ainda hoje se encontra na freguesia portuguesa de Alcântara, no concelho de Lisboa, mais precisamente na Rua 1.º de Maio. Esta obra foi inicialmente fundada por Filipe II de Espanha com o intuito de receber monjas provenientes da Flandres, que nessa altura eram alvo de perseguições dos calvinistas.
Ao utilizarmos o termo Flandres não confundimos com Condado da Flandres, integrado no Ducado de Borgonha, em 1405. A Flandres é a parte Norte da Bélgica actual, onde se fala o neerlandês, de Nederlandse taal, ou popularmente, o holandês. Chama-se flamengos aos utentes desta língua.
[2] Em 1212, a jovem Clara de Assis seguiu o atraente exemplo de Francisco e viveu, dentro da clausura e na contemplação, o ideal de pobreza evangélica. Surgiu, assim, a Ordem das Clarissas, ou a Segunda Ordem Franciscana. A Ordem de Santa Clara entrou cedo em Portugal, onde já na segunda metade do século XIII existiam quatro mosteiros.
Os Franciscanos constituem uma ordem religiosa que, pela sua vocação e prática pastoral, se enquadra na forma de vida mendicante. Esta assenta na vivência da pobreza evangélica, não apenas a nível individual, mas como expressão comunitária. Assim, os irmãos (fratres) não possuem nada próprio, vivendo apenas da remuneração do seu trabalho quotidiano. O ideal cumpria-se na imitação de Cristo e no discipulado (sequela Christi) que os torna «pobres entre os pobres», pregando o evangelho para a salvação de todos, fiéis e infiéis, ajudando o clero e em estreita obediência à Igreja de Roma. Esta «forma de vida» acolhe também um ramo feminino, as Clarissas, que, seguindo um regra própria (inspirada pela sua fundadora: Clara de Assis), vivem, em mosteiros, uma vida de clausura e de serviço.
[3] Foram governadores durante o interregno, depois da morte do Cardeal D. Henrique, a 31 de Janeiro de 1580: o arcebispo de Lisboa, D. João de Mascarenhas, Francisco de Sá, D. João Tello de Meneses, Diogo Lopes de Sousa.
[4] Filipe II de Espanha, o primeiro a reinar em Portugal com esse nome, nasceu em 1527 e morreu em 1598. Foi um dos monarcas do mundo sobre o qual se produziram mais textos e comentários e cuja personalidade não deixa ninguém indiferente. À sua volta nasceu uma Lenda Negra — para usar a expressão consagrada, a partir de 1913 e da produção do texto de Julián Juderías, A Lenda Negra e a Verdade Histórica — gerada ainda em sua vida pelos seus adversários franceses, ingleses e holandeses, mas também portugueses e de muitas zonas da América onde as suas orientações políticas, económicas e ideológicas operaram mudanças significativas. Um dos exemplos sempre presentes é o do massacre de S. Bartolomeu, episódio sangrento na repressão dos protestantes franceses em França e que o papa da época, Gregório XIII, festejou com uma missa Te Deum e uma medalha comemorativa; hoje parece provado que Filipe II nem sequer estava informado sobre o facto.
[5] Para elucidação deste período, Cf. ÁLVAREZ, Fernando Bouza, Portugal no Tempo dos Filipe, política, cultura, representações (1580-1668), prefácio de António Manuel Hespanha, Edições Cosmos, Lisboa, Julho 2000
[6] Depois de alguns anos de calma — que se seguiram à paz de Cateau-Cambrésis —, emergem problemas graves a partir de 1567: descontentamento crescente nos Países Baixos e a acção de movimentos minoritários mas firmes na Península Ibérica, nomeadamente das minorias mouras. Apesar da vitória diante dos berberiscos em Malta em 1565, a hostilidade com os turcos persistia. O irmão bastardo do rei Filipe II, D. João de Áustria, comandando uma frota, obteve uma grande vitória, embora não definitiva, na batalha naval de Lepanto em 1571. No interior peninsular produziram-se sublevações mouriscas nas montanhas Alpujarras do antigo reino de Granada.
Enquanto isso, o herdeiro D. Carlos mostra uma personalidade desequilibrada (o príncipe das Astúrias, princípe herdeiro, Carlos Lourenço de Habsburgo, terá enlouquecido, facto a que não será alheia a consanguinidade que o gerara, e acabou por matar-se — ou por ser morto —, em 1568, poucos dias depois de ter completado 23 anos, na cela onde fora preso pelo seu pai, depois de ter tentado matar a madrasta, Isabel de Valois, por quem, dizem, o infante estava apaixonado).
Para tentar uma resolução política dos conflitos no centro da Europa, Filipe II encarrrega o Duque de Alba de restabelecer a ordem na Flandres, dando início a uma guerra que durará 80 anos.
Nota: Cateau-Cambrésis foi talvez o Tratado de maior importância do século XVI, pela duração dos seus acordos, que estariam vigentes por quase um século, imprimindo uma nova dimensão à política internacional. Foi assinado pela Espanha (Filipe II), pela França (Henrique II de França) e pela Inglaterra (Isabel I) e deu início a uma preponderância espanhola no Mundo. As conversações começaram na abadia de Cercamp, passando para o castelo de Cateau-Cambrésis, que deve o seu nome a uma comuna francesa situada a cerca de 20 quilómetros de Cambrai). Foi na sequência deste tratado que Filipe II contraiu matrimónio com Isabel de Valois, filha de Henrique II de França, o que contribuiu para a hegemonia espanhola.
Nota 2: Designava-se por Países Baixos um conjunto de territórios mais ou menos autónomos: Flandres, Hainaut, Brabante, Holanda, Zelândia, Gueldre, Artois.
[7] Cf.
www.virtual-net.pt/FranciscanosVaratojo/osc.html[8] Cf. Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal
[9] Vd. SERRÃO, Joaquim Veríssimo, O Tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil (1580-1668), Colibri HISTÓRIA, Lisboa, 2.ª edição, Março, 2004
[10] PÉREZ, Joseph, Filipe II e o Seu Império, Editorial Verbo, Lisboa, 2007
[11] Cf. MACEDO, Jorge Borges de, A História de Portugal nos séculos XVII e XVIII e o seu autor, introdução à edição fac-similada da obra de Rebelo da Silva, Lisboa, Imprensa Nacional, 1971